Os parágrafos 1º e 3º do artigo 223-G da CLT, acrescidos pela reforma trabalhista, visam a impedir cumulação de indenizações e estabelecem o tabelamento do valor da indenização com base no salário do ofendido.
O Plenário do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em sessão ordinária telepresencial realizada em 9 de julho de 2020, decidiu, por maioria de votos, declarar a inconstitucionalidade do disposto nos parágrafos 1º a 3º do artigo 223-G da CLT, acrescentados pela Lei nº 13.467/17.
Na decisão, de relatoria do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, ficou consignado que: “São inconstitucionais os parágrafos 1º a 3º do artigo 223-G da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.467/17, pois instituíram o tabelamento das indenizações por danos morais com valores máximos a partir do salário recebido pela vítima, o que constitui violação do princípio basilar da dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais à reparação integral dos danos extrapatrimoniais e à isonomia, previstos nos artigos 1º, III, e 5º, caput e incisos V e X, da Constituição da República.”
Entenda o caso – O “incidente de inconstitucionalidade” foi suscitado nos autos do Processo nº 0011855-97.2018.5.03.0078, em que o trabalhador pediu, entre outros, a condenação das empresas ao pagamento de indenização por danos morais, materiais e estéticos decorrentes de acidente do trabalho.
Sentença do juízo da Vara do Trabalho de Ubá condenou as rés, de forma solidária, a pagarem ao autor indenizações por danos morais, no valor equivalente a três salários contratuais do trabalhador, além de indenização por danos estéticos, também equivalente a três vezes o último salário contratual, e danos materiais, na forma de pensão mensal vitalícia, no valor equivalente a 7% do salário do trabalhador. Isso porque foi reconhecida a culpa das empresas em acidente de trabalho que vitimou o trabalhador. No exercício da função de operador de máquinas, ele teve esmagado dois dedos da mão direita, ocasionando restrição de movimentos e perda funcional de 3,5% em cada dedo, com redução parcial da capacidade de trabalho. Ficou demonstrado que as reclamadas foram omissas em propiciar ao trabalhador um ambiente de trabalho seguro.
Critério para fixação dos valores das indenizações – Como visto, os valores das indenizações deferidas ao trabalhador foram fixados nos termos do artigo 223-G, parágrafos 1º, 2º e 3º, da CLT, acrescidos pela Lei 13.467/17, mais conhecida como “reforma trabalhista”. Foi observado o tabelamento previsto no parágrafo 1º da norma, que estabelece como parâmetro o último salário do ofendido. A juíza sentenciante considerou ter havido culpa leve, razão pela qual, por convalidar a constitucionalidade do disposto no artigo 223-G, parágrafo 1º, I, da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.467/17, condenou a reclamada a pagar indenização por danos morais de três vezes o valor do último salário contratual do autor.
O trabalhador interpôs recurso, pretendendo o reconhecimento da inconstitucionalidade do 223-G da CLT, caput e parágrafos e, ainda, a majoração dos valores das indenizações. Por maioria de votos, julgadores da 11ª Turma do TRT-MG acolheram os argumentos do trabalhador para submeter ao Plenário do TRT-MG a arguição incidental de inconstitucionalidade dos dispositivos mencionados. Determinaram a suspensão do processo, para instauração do “Incidente de Inconstitucionalidade”, com a remessa dos autos ao Pleno, para o devido julgamento.
A Comissão de Uniformização de Jurisprudência (CUJ), em parecer subscrito pela desembargadora Camilla Guimarães Pereira Zeidler, opinou pela suspensão do processamento da arguição incidental de inconstitucionalidade, até o pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto ao conteúdo disposto no artigo 223-G, caput e parágrafos, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/17, tendo em vista que a matéria é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.870, cujo relator é o ministro Gilmar Mendes.
Suspensão do processo rejeitada – Mas o Plenário do TRT mineiro rejeitou a proposta da CUJ de suspensão do processo e passou a decidir a arguição de inconstitucionalidade, a qual resultou na declaração (apenas) da inconstitucionalidade do disposto nos parágrafos 1º a 3º do artigo 223-G da CLT acrescentados pela Lei nº 13.467/17. (e não de todo o artigo e seus parágrafos).
Segundo pontuou o desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, que atuou como relator e cujo entendimento foi acolhido pela maioria dos julgadores do Pleno, o artigo 949, parágrafo único, do CPC, assim como o artigo 136, parágrafo 1º, do Regimento Interno vigente à época da manifestação da CUJ, dispõem que os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do Plenário do STF sobre a matéria, o que, no caso, não ocorreu.
Artigo 223-G, “caput” e incisos – Constitucionalidade – Em relação ao “caput” e aos 12 incisos do artigo 223-G da CLT, a conclusão do relator, acolhida pela maioria absoluta dos integrantes do Pleno do TRT-MG, foi de que não há inconstitucionalidade, mas apenas a consagração de alguns critérios já delineados pela doutrina e pela jurisprudência para a apreciação do pedido de indenização por danos extrapatrimoniais. Entretanto, foi reconhecida a inconstitucionalidade dos parágrafos (1º a 3º) do artigo 223-G da CLT por
estabelecerem novo preceito legal de que não cabe acumular as indenizações, em ofensa ao princípio da reparação integral, além de tabelar a indenização com base no salário do ofendido.
“Assim, se a mesma ofensa atingir bens jurídicos extrapatrimoniais distintos da vítima, por exemplo, atingir levemente a imagem, gravemente a orientação sexual e de forma média a saúde, só caberá a fixação de uma indenização, pelo que algumas lesões ficarão sem reparação”, destacou o desembargador relator. Ele frisou que essa limitação (de acumular indenizações) deve ser considerada inconstitucional porque, além de contrariar o princípio da reparação integral, viola a previsão do artigo 5º, XXXV, da Constituição da República, que prevê: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
“Indenização complessiva” – Inconstitucionalidade - O relator frisou que, ao vedar a acumulação de indenizações, a regra reformista instituiu uma “indenização complessiva” para reparar vários danos, o que contraria a jurisprudência trabalhista consolidada desde 1978. Citou, nesse sentido, a Súmula 91 do TST, que prevê: "Nula é a cláusula contratual que fixa determinada importância ou percentagem para atender englobadamente vários direitos legais ou contratuais do trabalhador". Registrou ainda que, no Direito Civil, o cabimento da acumulação de danos extrapatrimoniais está pacificado pela Súmula 387 do STJ, que dispõe: "É licita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral".
O tabelamento da indenização com base no salário do ofendido – Inconstitucionalidade - Quanto à determinação de que a indenização seja fixada tendo como teto um multiplicador do último salário contratual do ofendido, de acordo com a faixa de gravidade da ofensa, explicou o relator que os parágrafos do artigo 223-G da CLT, que contêm a disposições nesse sentido, ferem a Constituição Federal, ao estabelecer parâmetros de reparação de danos francamente discriminatórios, fixados com valores variáveis de acordo com o padrão salarial da vítima. “A Carta Maior já menciona o valor da igualdade no seu preâmbulo e estabelece como objetivos fundamentais da República promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Artigo 3º, IV). Além disso, a previsão do caput do artigo 5º que claramente estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", destacou na decisão.
Ainda nas palavras do relator, “o tabelamento instituído pelo artigo 223-G da CLT também viola o artigo 1º, III, da Constituição da República, que estabeleceu a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos, de modo que este se tornou critério de aferição de legitimidade substancial de toda ordem jurídica”.
O desembargador Sebastião Geraldo frisou não haver justificativa plausível para se estabelecer indenizações diversas, de acordo com a renda da vítima, para ofensas extrapatrimoniais da mesma intensidade e com o mesmo grau de gravidade. “Registro que o princípio da isonomia, em sua acepção material, alerta sobre o reconhecimento das diferenças que não podem ser feitas sem ofendê-lo”, ponderou.
Para ilustrar o caráter discriminatório da regra instituída pela reforma trabalhista, o desembargador citou um exemplo que pode ocorrer na prática e que revela a discriminação pelo tratamento diferenciado: “Estão subindo em um elevador de obra de construção civil o estagiário, o pedreiro, o engenheiro e o gerente da obra, que auferem rendimentos mensais diversificados. O cabo do elevador não era o especificado e ainda estavam transportando junto material de construção, violando a NR-18 do Ministério do Trabalho e Emprego, o que acabou provocando acidente e a queda do elevador”. Nesse exemplo, pelo tabelamento previsto no parágrafo primeiro do artigo 223-G da CLT, os trabalhadores receberiam indenizações em valores bem diversos, em decorrência da diferença salarial, embora todos fossem vítimas do mesmo acidente.
Segundo pontuou o desembargador, no aspecto extrapatrimonial, a dignidade das pessoas lesadas é a mesma e, dessa forma, a dignidade da pessoa humana não pode ser aferida de acordo com o seu padrão de rendimento. “A maior ou menor riqueza da vítima não pode orientar o valor da indenização, nem servir de parâmetro para reparar a lesão extrapatrimonial”, ponderou. Conforme acrescentou, esses, inclusive, foram os fundamentos utilizados na VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, realizada em Brasília em 2016, para a adoção do Enunciado 588, com o seguinte teor: "O patrimônio do ofendido não pode funcionar como parâmetro preponderante para o arbitramento de compensação por dano extrapatrimonial".
O relator também ressaltou que a inclusão na Constituição de 1988 do direito à reparação dos danos morais indicou que as lesões dessa natureza devem ser indenizadas em sua plenitude, “sem as amarras de tetos limitadores”. Observou que, de acordo com o artigo 5º, V, da Constituição, a indenização deverá ser proporcional ao agravo e, assim como não é possível limitar a intensidade da ofensa, também não se pode limitar o valor da indenização, caso contrário, em determinados casos, poderia haver reparação desproporcional, em benefício do agressor, o que não pode ser admitido. “O equilíbrio na balança lesão-reparação é orientado pelo princípio constitucional da proporcionalidade, por conseguinte o desnível imposto pela limitação reparatória acaba, indiretamente, estimulando a expansão do comportamento lesivo”, frisou.
Ressaltou no voto que essa questão já está pacificada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), cuja Súmula 281, adotada em 2004, sintetizou: "A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa". Conforme acrescentou o julgador, a inconstitucionalidade das normas reformistas também encontra amparo na jurisprudência do próprio STF, que, por ocasião do julgamento da ADPF 130, declarou a não recepção de artigos da Lei nº 5.250/67, que dispunham sobre a tarifação da indenização por danos morais. O Supremo Tribunal Federal, inclusive, já havia se pronunciado claramente nesse sentido, ao interpretar os incisos V e X do artigo 5º da Constituição de 1988 e proferir o seguinte aresto jurisprudencial.
“Em síntese, o STF, na sua composição plenária, firmou posicionamento quanto ao não cabimento do tabelamento do dano moral no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF n. 130-DF. Nesse julgamento, a Corte Maior declarou que a Lei Federal n. 5.250/67, conhecida como Lei de Imprensa, não foi recepcionada pela Constituição de 1988. O tema da inconstitucionalidade do tabelamento ou 'tarifação' do dano moral foi abordado expressamente no julgamento por quase todos os Ministros da Corte”, destacou Sebastião Geraldo.
Ao concluir, o relator pontuou que faixas máximas de indenização, de acordo com o grau de ofensa e a renda da vítima, constituem “vício incontornável de inconstitucionalidade”. Nesse cenário, foi reconhecida a inconstitucionalidade dos parágrafos primeiro, segundo e terceiro do art. 223-G, parágrafo 1º, da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.467/17, com a determinação de prosseguimento do julgamento do recurso do trabalhador pela Turma de origem (Artigo 204 do Regimento Interno), considerando-se os dispositivos mencionados como violadores da Constituição da República de 1988.
Original publicado em https://cutt.ly/flefXLX
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